quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Augúrios

Augúrios. Vaticínios do comportamento humano capazes de suprimir um sentimento. Forceja fracassada em diálogos entabulados quase em plena praça pública. Embates verbais. Relação combalida. Vã porfia. Ocasos destruídos. Bifurcações mentais capazes de derrubar argumentos. Artifícios.
O coração substituído pela angústia. Pelo imaginário. Pelo que aconteceu. Pelo que não aconteceu. Pelo que pode acontecer.
Saldo tenaz. Tristonho. Nervoso. Oblíquo. Injusto. Mórbido. Feio.
Real.
Penoso. Destrutivo e, sobretudo, amargurado.
Tolices feitas. Reais. Feridas abertas. Gangrenadas.
Tolices feitas. Tilintes na bigorna da consciência.
Ave o perdão, com esquecimento. Ave!
Olvidar o passado é tarefa obscura. Exige desprendimento. Mental e até espiritual.
Apagar o ontem nefasto custa. Alto preço.
Degenera o raciocínio e coze a alma.
Sangra a chaga aberta. Devora o coração. Corrói o caráter. Definha o intestino e esmaga os rins.
É triste o penar. Mas é veraz. Amiúde veraz.
Uma falácia depois de exposta dificulta a crença. Mina a confiança.
O amor nada tem haver com o descrédito.
Ama-se profundamente sem creditar.
É assim. Não se pode repor o feito.
Apagar o escrito à pena. Destruir a ação. Revogar o ato.
O tempo é unidirecional. Não se volta na via de mão única. Vai-se intermitentemente.
E destrói-se o corpo quando a mente pára e o coração não pulsa.
O tempo é inclemente e a felicidade esvai-se sem misericórdia.
Triste epílogo. Mas veraz.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Segredos do Alto

Décimo andar.
Cidade meio iluminada. Luzes foscas.
Uma janela para o mundo. E ali dois personagens do tempo dialogam.
Trocam olhares e palavras.
Cada vez mais olhares. Cada vez menos palavras.
Discutem. Dissertam. Palavreiam. Sonorizam.
Aonde querem chegar? Nem eles próprios sabem. Só querem manter a prosa. A conversa. Manter a permuta de sentimentos sem ao menos nada dizer.
O crepúsculo cai, e com ele as máscaras, e os desejos afluem. Afloram.
É assim que a noite chega e traz os segredos entrincheirados com ela.
Nesse momento, ali, a tantos metros do chão, dois corpos engalfinham-se. Descobrem-se. Devoram-se. Misturam-se.
E nessa mixagem, há um descobrimento. De vontades, e de desejos. De tempos e espaços. E de vontades. Próprias ou alheias, ou até mesmo comuns.
O tempo parou, ou pelo menos fez sinal de parar. Já nada mais interessa. Tempos ou lugares. Nada mais importa.
O importante é fazer acontecer, para depois acontecer.
São dois corpos. Vão se fundir em um só. Único e singular.
E assim as horas vão passando e com elas o amor se faz.
Não completamente. Apenas ao meio. Pela metade.
O gozo foi parcial. Teve gosto amargo. Efusivo.
Mas teve sabor. E saboreado foi. Degustado e medido na mais plena consciência.
E assim ficou mais claro e mais lindo o dia.
À noite.
O sentimento e o pensamento.
E assim foi, e assim será.
Pois que seja.