quarta-feira, 6 de junho de 2007

À sombra da noite


Fiquei parado em frente ao prédio onde ela morava por horas a fio. Fitei calmamente e com o semblante ávido e impávido a luz que emanava do seu apartamento. Fazia frio. A brisa que adentrava pelo meu rosto como que amaciando os pêlos duros de minha barba indicava que haveria ainda mais de esfriar porquanto o véu da lua cobrisse o céu e tapasse, negramente a luz do sol que pelo dia havia imperado.
Lá pelas tantas, percebi que havia, exausto, deixado-me levar pela magia do sono. Pela magia do sonho, pois, naquela madorna, entre a fantasia e a realidade, imaginei, que a luz do apartamento havia se apagado, e, que, apenas no lusco-fusco do abajour, a sua silhueta beijava um forte e alto corpo, que, apressadamente colocava o chapéu e apanhava seu “sobretudo” dando apressados passos em direção a porta. Nesse ponto, acordei, com um guarda-vigia batendo no pára-brisa do meu corcel 76 indicando-me o seu relógio, e balbuciando que aquela já não era mais hora de se estar dentro de um veículo em plena avenida Central, dormindo, como se o mundo fosse feito apenas de anjos. Eu precisava acordar, afinal, o inferno também existe. Literalmente, eu necessitava despertar. Assustado, inquieto, olhei novamente a janela, que agora já sem luz, estava consequentemente, sem vida para mim. Haveria meu sonho de ter sido verdade? Haveria mesmo alguém na sua companhia? Eu insistia em saber, enquanto o senhor guarda também insistia que eu abrisse a janela do carro e lhe satisfizesse seu questionário de dúvidas em saber o por que de um homem, com leves grisalhos sobre a testa, permanecer com o seu carro estacionado no canteiro da avenida Central fitando, mas ao mesmo tempo com os olhos perdidos, um apartamento no quarto e último andar do edifício “Aroeiras” precisamente às três e meia da manhã. Pelo menos era o que o relógio da Catedral indicava. Aliás, relógio imponente aquele. Totalmente iluminado, vistoso, garboso, informando a longas distâncias as horas cruciais da vida e do cotidiano metropolitano da minha intrínseca cidade, que de dia mais se assemelha a um vespeiro com suas fabricantes de papel, misturadas, entrincheiradas e alinhadas ao mesmo tempo, ordeiramente, e de noite frígida e silenciosa se parece com um cemitério onde as almas descansam sem nada ter que ver com as quezilas humanas. Era daquele relógio da torre da Catedral de Santa Rita de Cássia que eu percebia que a madrugada já era finda. As primeiras rajadas de luz no alvorecer já intimidavam o breu. Era preciso ir, mesmo sem querer. Mas era preciso. Mais um pouco e já não faria mais sentido estar ali, principalmente se ela me visse. Seria o ápice da vergonha. Ou da falta dela. Mas o que me intrigava mesmo era saber se meu sonho haveria sido realidade, ou se a minha realidade haveria entrado no meu sonho, ou se o meu desejo havia feito com que ela entrasse. Parado, argüindo comigo as prováveis possibilidades daquela noite, desguarnecido do tempo e da hora, despertei de vez para a vida quando um raio do astro-mor esbofeteou-me a face, anunciando sua chegada.
As luzes se apagaram. As vespas voltaram à ativa, e eu, ali, inerte, simplesmente ajeitei-me no assento, liguei o motor e dei a partida, carregando comigo a eterna dúvida pela qual desfez-se aquele romance impetuoso e intempestivo. E fui-me, partindo devagarinho, como se com o nascer da aurora, morresse em mim a esperança de que eu não havia sido trocado, mas apenas, abandonado.

5 comentários:

Anônimo disse...

Ele foi abandonado ou foi trocado?...conta aí, vai, não me deixe curiosa assim!

Anônimo disse...

Entre outras coisas, admiro o suspense com que vc colocou o caso em questão. Realmente, o amor e a paixão andam de braços dados mas com um abismo entre os dois...muito interessante este texto... Parabéns, fofo. Adoro vc e tudo que escreve!

Anônimo disse...

Nairlan.
Interessantíssimo o texto como tudo que vc faz. Acho mesmo que nasce aqui um grande escritor e um grande talento brasileiro. Estou apostando em você e na sua escrita. Prossiga assim e melhorando cada vez mais!

Anônimo disse...

Terá segunda parte?

Thaisa Silva disse...

Clayton
Fike perplexa cum a leitura desse texto seu. Parece tao real...instigante
muito interessante mesmo! nao só esse como todos q vc escreve.
se vc nao fala q é ficçao, iria acreditar q aconteceu d verdade.
Parabéns pela sua criatividade...
Thaisa