segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Confinamentos da alma

Já era a segunda vez que começávamos aquele assunto incômodo. Ele dizia-me insistentemente sobre o instante relâmpago que houve entre vocês, e eu, acabrunhado como sempre, era obrigado a ouvir aquela história de final de feira. E, ainda por cima, pela segunda vez! Francamente, subiu-me um desejo ardente e venenoso de pedi-lo para parar aquela tortura inquisidora, como em tempos medievais. Era como se cutucasse a ferida. Como se recitasse o nome do demônio amiúde ao Cristo na cruz, como que querendo lembra-lo de sua situação morredoura em virtude daquele criminoso satânico que lhe impusera tal condição. Mas, retive-me. Abortei a idéia em nome do respeito e da admiração adquirida pela sua pessoa. Sobretudo, Foi um vacilo o ocorrido. Mormente você comportou-se como alguém que em total desespero, não tivesse mais opções na vida. Comportou-se como alguém em fim de carreira. Como se qualquer coisa pudesse servir-lhe de consolo. E justo alguém completamente sem o mínimo de cumplicidade ou de inteligência para dar em troca. – Deus meu! Como foi triste ouvir aquele relato erótico e antagônico de um simples encontro casual que nada mais tinha de futuro, ou de passado. Tão somente de presente, e completamente sem sentido. Apenas rasgos efêmeros, barulhos eróticos que nada tinham haver com amor ou sequer a química da paixão. Nada! Só prazer, seguido de gozos extremos e puramente relacionados à parte animalesca do ser humano. A parte selvagem em que um ser humano possui o outro apenas pelo prazer de possuir. Como nos tempos das cavernas. Com um aditivo cabuloso e atual: O de poder contabilizar na sua vida as pessoas que por ela passam. Não que isso não possa acontecer. Não que eu esteja pregando moralidade. Longe de mim pregar o que não faço, e o que sobretudo, não sou. Não que isso não exista, mas tinha que ser com você? Parecia mesmo inacreditável. Não conseguia associar o relato moribundo que eu ouvia como uma marreta na bigorna auditiva à pessoa que eu estava agora rebuscando e descobrindo. Mas mantive a compostura. Com um semblante terno e pueril eu simplesmente revoguei o assunto, desviando-me para as mesquinharias do dia a dia. Hora em quando, hora em vez, o mesmo caso vinha à tona. E eu, educadamente, o reencaminhava para futilidades. Aliás, se quer saber a verdade, num desabafo exaustivo, senti você assim: mesquinha e fútil. Em nada se parecia com a pessoa, que em dias anteriores, declamava-me trechos escolhidos e cuidadosamente rebuscados do romance “A hora da estrela”, de Clarice Lispector. Como se tivesse uma visão refinada da vida e compreensiva dos seres humanos com fins em meio aos próprios meios. Não, não se parecia com você e não era você. Não podia ser você. O que eu ouvi da boca do contador de vantagens vinha de uma “atitude” de um ser humano normal, pecador e mortal. E pra mim você não era um ser humano normal. Nem ser humano você era. Para meu pequeno véu pensante, você era um anjo, e sem asas.
Contudo, para minha decepção mordaz, era mesmo você. Não havia dúvidas. Era sua pessoa, que num surto psicótico, tomou-se de uma roupagem meretrícia, e em alguns minutos de prazer incomensurável, preferiu imputar-me um holocausto que, vez por outra, invade-me o invólucro mental e impõe-me a tortura, a raiva, o choro e a revolta.
Nem sei se posso apropriar-me destas “virtudes”, só sei que seguem-me insistentemente, como uma sombra repugnante.
Persegue-me também a idéia de percejar na vã esperança de que assim como a noite mingua a sombra do sol sobre os corpos terrestres, até que por fim esta se dissolva na escuridão plena, que assim também da mesma maneira o tempo leve embora esta penumbra inquietante de um conto mórbido de um encontro casual diuturno. Uma sombra altiva no Cáucaso do ocaso diário. Para que desta forma meus pensamentos descansem em paz e não retrocedam aquele meio dia fatídico que me levou uma parte de você. A parte fiel e essencial da pessoa tranqüila e serena que achei ter encontrado. De fato, não sei mesmo se jamais recuperarei esta pessoa em você. Por que me foi como um golpe na retaguarda saber que o alguém resplandecente que achei perdeu-se numa entrega erótica e avassaladora de meio dia, tornando-se uma pedra algoz em meu sentido marcante da consciência, e para sempre deletando em meu recôndito como um fio de navalha a eloqüente alma tenaz e diligente que achei um dia descobrir.
Minha busca continua...

4 comentários:

Anônimo disse...

Ave Maria! acabei de ler. Doeu na consciência. Bjos. t adoro sempre!

Anônimo disse...

aff..vc tem hora q escreve umas coisas viu.. puxa vida...bem diz camila. calou fundo.

Anônimo disse...

Eu sou suspeita para falar porque adoro tudo que você escreve.O interessante é que o leitor não consegue ter uma atitude passiva.Ele participa do processo de criação,ou seja,tem interpretações ambíguas e completa as lacunas do texto com a imaginação.Como "parceira",ou melhor,sócia no universo da criação,creio que posso deixar uma sugestão:"quando encontramos uma pessoa com visão refinada da vida devemos desistir de ficar revivendo o passado,sem se preocupar muito com o futuro,pois isso nos mantém no presente onde a vida acontece."

Anônimo disse...

Caríssimo, há mto não comentava em seu blog, e hj resolvi fazê-lo. Quis ler os textos mais recentes, mas acabei me voltando pra esse aki. Bem interessante, e como disse a Angel, me sinto participante da crônica e me proponho a defender a personagem e provocou a decepção, olhando por um outro ponto de vista: será q não era a visão da pessoa q estava contando o caso é q era distorcida?