quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Traquinagens de Moleque-1

Era com ansiedade que eu olhava para o
fim da rua. Afinal, A mãe ia dobrar a esquina e eu estaria livre pra chamar o
Léo. A Juju ia ficar a tarde toda na casa de Liane, e o Mel, esse não tava nem
aí pra mim. Só queria saber de escutar música com Aline a tarde
inteira.Pronto...um, dois e...zás!!! A mãe virou....Iupiiiiii... Agora eu já
estava pronto. Corri como um louco pra dentro de casa, atravessei o portão e fui
surpreendido pela Chitara. Ela veio com toda força e colocou suas patas
dianteiras bem em cima de mim. Nossa!!! Ela de pé era maior que eu. Como era
linda, assim em pé. Pêlinho alvo e bem baixinho. Ah...a mãe não deixava ela sem
tomar banho toda semana...tratamento vip! E era remédio pra carrapato, e era
vermicida, e era shampoo pra caspas... Às vezes tinha a impressão de que ela era
mas bem cuidada que eu. Xiiii...me distrai, tinha que ir chamar logo o Léo,
afinal, nosso tempo era curto. A mãe logo estaria de volta.Deixei Chitara vir
correndo atrás de mim, e de um salto, subi no tanque e debrucei no muro. A
música que o Mel tava ouvindo de dentro do quarto estava me atrapalhando chamar
o Léo. Mas mesmo assim, insisti!- Léeeeooo!!! Onde está você?Nada!!! Ninguém
tinha ouvido nada... resolvi arriscar mais um pouco e ficar de ponta de pé no
tanque, com o pescoço quase alcançando a mureta que separava nossa casa.
Insisti.- Léooo???.. Mas gente, o som que vinha de dentro de casa estava muito
alto. Desci do tanque e Chitara já estava pronta pra correr atrás de mim de
novo...ai meu Deus! Como era difícil me desvencilhar daquele animalzinho
implicante. Mas, depois de levar duas quedas por ficar trançado com ela, me
recuperei, abri o portão e ganhei a rua...Pronto, ia agora diretinho na casa do
Léo, e agora podíamos aproveitar aquela tarde antes da mãe chegar das compras.
Agora dava pra ele me ouvir. Num pulo, ganhei a rua...agora sim...ihhhh!!!!
Esqueci de fechar o portão. A Chitara veio atrás de mim. Ai meu Deus! Tenho que
colocar essa cachorra pra dentro. Ela não é bravia, mas causa medo. Um cão fila
sempre causa medo em outros pelo tamanho e pelo latido. Mas, quando me voltei,
não percebi que distraído e ao mesmo tempo preocupado com o dia de trabalho que
se aproximava de sua metade, afinal, eram apenas duas da tarde, vinha um
bicicleteiro, é, isso mesmo, um bicicleteiro, como meu pai costumava chamá-los.
Ele só se deu conta de que estava diante da Chitara a menos de um metro dela.
Zás!!!! Ele conseguiu sair fora da cadela que a mamãe cuidava com tanto carinho.
Mas, nesse desespero de sair fora, me achou pelo caminho. Ai meu Deus! Quem viu
aquele episódio deve ter ficado muito assustado. Nos embolamos no meio da rua,
eu, o bicicleteiro e a Chitara. Ninguém sabia quem era quem. Estávamos
entrelaçados, os três.O bicicleteiro levantou assustado.- Que é isso, guri! Tá
louco! E tira essa cachorra de cima de mim!Bem que eu tentei, mas meu braço não
obedecia, e pior...doía!!! Ai, como doía!!!Nessas alturas, a rua ficou
abarrotada de gente. Vizinhos e curiosos corriam pra saber o motivo do estrondo
que tinham ouvido. Isso é comum e normal de acontecer. Um amontoado de gente em
volta de um pobre coitado acidentado. Eu só não tinha me dado conta de que o
pobre coitado, neste caso, era eu. Dona Geni, veio correndo da casa dela,
esbravejando como era de costume.- Tito! Tito! Meu filho, o que aconteceu?...Eu
não sabia, só sabia que sentia muita dor.Seu Arquilino da venda, também largou
tudo e veio me socorrer.- O Braço dele está roxo, olha aí dona Geni.Pronto, Foi
o suficiente pra eu perceber que havia algo de errado.A este ponto do
acontecido, alguém já havia ligado pro meu pai e ele estava chegando. Segundo
fiquei sabendo depois, a minha mãe nem mesmo chegou a ir até as compras. Meu pai
a encontrou no caminho e colocou logo dentro do carro pra voltarem. Eu não
estava entendendo muito bem. Só sabia de uma coisa. Cada hora que passava meu
braço doía cada vez mais e parecia não caber mais na camiseta amarela que eu
usava, agora toda suja de poeira.O bicicleteiro ligava no orelhão para a sua
firma.Os garotos da rua de baixo já estavam todos amontoados em cima de mim, e
dona Geni gritava...- Saiam de cima, seus moleques arruaceiros. Tragam um copo
d’água pra ele! Toma meu filho. Levanta!Dona Geni simulou pegar o meu braço.
Nossa!!! Agora doeu, doeu de verdade. E a máxima do meu pai de que homem não
chora desta vez não valeu. Eu não consegui. Por mais que tentasse, não havia
jeito. A dor era mais forte do que o homenzinho que eu achava que era.Bem. com
todo esse alvoroço, quem se aproximou de mim foi o Léo. E me disse, até meio
preocupado...- E aí, "cajaca" ( esse era meu apelido ) o que tá havendo?- Não
sei, "cabeça", acho que machuquei o braço. O bicicleteiro me pegou quando fui te
chamar na sua casa. Te chamei pelo muro mas você não ouviu. O Mel tava ouvindo
som muito alto.Nossa!!! Naquele instante percebi que o Mel estava dentro de
casa, era melhor chamá-lo. Pedi a Dona Geni que o chamasse. Ela atendeu
prontamente, mas saiu resmungando:- Diacho de menino mais distraído, o irmão
quebrou o braço e ele, ouvindo música. Xiiii!!! O que era quebrar o braço? Mas
meu braço estava no lugar. Por que ele estaria quebrado? O Mel chegou, meio sem
jeito. Acho que Dona Geni deve ter falado umas palavras meio amargas.- Que foi
isso, Tito! Pelo amor de Deus, a mãe disse que era pra eu olhar você. E agora o
que vou dizer pra ela? Aline saiu logo atrás meio sem graça. O pai encostou com
o carro e a mãe chegou junto com ele. Ela olhou pro Mel mas não disse nada. Ela
era assim, não fazia escândalo. Ia acertar as contas mais tarde com ele. O Pai
me apanhou com muito jeito.- Guri Valente, esse meu rapaz! Agüenta até a dor de
um braço quebrado!Ahhhhh! Como era bom ouvir o velho falando isso pra mim. Me
senti um homenzinho de novo. Até parei de chorar.O pai me colocou no carro,
enquanto a mãe trazia uma roupinha pra mim. O Mel veio tentando ajudar com um
sorriso amarelo no rosto, mas a mãe ralhou com ele.- Olhe a casa, Melquisedeque,
se não pode olhar nem o Francisco, se preste ao menos a olhar a casa enquanto o
levamos ao pronto socorro.Coitado do Mel, tudo que ele não gostava era de ser
chamado de Melquisedeque. sei que ele ia ficar muito chateado com tudo isso.
Então resolvi ajudar.- Pode deixar Mel, eu vou voltar são e salvo, assim você
não se sente assim desse jeito.- Qual é, maninho, vai mesmo. Eu fico esperando
você. Vou fazer logo aquela vitamina de banana que sei que gosta. Tomaremos
juntos assistindo ao Jaspion na TV, tá?Fomos pro hospital. Acenei um tchauzinho
com o outro braço para o Léo que me olhava atentamente do outro lado do vidro do
carro e me acenou como quem quisesse desejar boa sorte.Vi meu pai conversando
com o bicicleteiro. Ele agora ia embora com sua bicicleta com os raios
empenados, a roda murcha como uma flor fora do vaso, e o guidão torto de dar dó.
Ele ia levando sozinho essa bicicleta pela rua e ainda disse algo parecido assim
quando passamos por ele, acho que consegui ler nos lábios: “ Calma Guri! Tu és
um garotinho muito valente!”...Eu fiquei com dó do bicicleteiro.Dona Geni
colocava a mão sobre a boca e seu Arquilino caminhava tranqüilamente pra
Mercearia da esquina. O Mel levou a Chitara pra dentro de casa.Tudo parecia
voltar ao normal.Só aquela dor que não passava.Mal sabia eu, que por conta do
que hoje sei ser uma traquinagem de criança, ia ficar quase um mês com um gesso
branco no meu braço e sem poder fazer o que eu mais gostava: traquinagem de
criança...

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